quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Problema do Sofrimento - Parte IV

Seguindo a onda do Biblecast, o Isaque lançou um ótimo Podcast, o Cronicast #27, que se foca na questão do sofrimento e sua percepção pela igreja e pelos cristãos. O diretor do programa se foca nos paradoxos apresentados por Paulo a respeito de sua luta aqui, que você pode acompanhar na segunda carta de Paulo aos Coríntios, no Capítulo 6, que transcrevo a seguir:

"Não damos motivo de escândalo a ninguém, em circunstância alguma, para que o nosso ministério não caia em descrédito. Pelo contrário, como servos de Deus, recomendamo-nos de todas as formas: em muita perseverança; em sofrimentos, privações e tristezas; em açoites, prisões e tumultos; em trabalhos árduos, noites sem dormir e jejuns; em pureza, conhecimento, paciência e bondade; no Espírito Santo e no amor sincero; na palavra da verdade e no poder de Deus; com as armas da justiça, quer de ataque, quer de defesa; por honra e por desonra; por difamação e por boa fama; tidos por enganadores, sendo verdadeiros; como desconhecidos, apesar de bem conhecidos; como morrendo, mas eis que vivemos; espancados, mas não mortos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo." 2 Coríntios 6:3-10

Vou mais uma vez sugerir a você que ouça o programa e passeie pelo site que tem muito material de qualidade.

Quero reiterar que o programa é excelente e muito do que foi dito até aqui, talvez um dos cernes da minhas suposições sobre o sofrimento esteja exposto aos 14 minutos e 10 segundos, onde ouvimos sobre "um dos maiores paradoxos da vida cristã: sofrer, lamentar, mas ainda assim se alegrar em Cristo".

De certa forma, isso reafirma o que falamos no post anterior, sobre a diferença entre lamentar e murmurar. As lágrimas estão sempre presentes em nossa experiência nesta terra, mas há um sorriso sempre pronto, pois apesar de nossos sofrimentos serem grandes, há uma esperança maior ainda. A carta aos Coríntios indica que nem mesmo a iminência da morte é maior que a esperança naquele que é a ressurreição e a vida. No capítulo anterior, Paulo, comparando o corpo a uma casa, afirma: "Sabemos que, se for destruída a temporária habitação terrena em que vivemos, temos da parte de Deus um edifício, uma casa eterna no céu, não construída por mãos humanas. 2 Coríntios 5:1"

Em outras palavras, Paulo afirma que, mesmo que nós percamos esse corpo - através da morte - Deus nos dá a garantia de outro corpo, melhor que esse, no céu.

Falamos disso na parte anterior, a respeito da esperança celestial.

Um conceito que deveria ser pregado nas portas das igrejas, como Lutero fez há 500 anos, é o de que, ao pregarmos o Evangelho da Prosperidade, estamos enganando as pessoas, as trazendo para o caminho do evangelho pelos motivos errados e prometendo coisas que a Bíblia nunca nos prometeu!

Após as belas conclusões extraídas do texto de Paulo aos Coríntios, O narrados analisa o texto de Paulo aos Filipenses:
"Se alguém pensa que tem razões para confiar na carne, eu ainda mais:circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu; quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era lucro, passei a considerar perda, por causa de Cristo.
Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo"  Filipenses 3:4-8

Desse texto, o cronicast extrai três pontos:
1. A preparação de Paulo para o sofrimento através da inversão de seus valores;
2. A experiência de sua dor e sofrimento como custo de sua obediência a Cristo e
3. A meta de Paulo, em tudo isso, é ganhar a Cristo, estar mais em comunhão com Ele.

Esses pontos são muito bem trabalhados e, segundo esse humilde blogger, não há nenhum equívoco. O Programa apresenta mensagens de esperança e, mais uma vez, apresenta a coerência dos textos apontando para um sentido que não  é oculto na Bíblia: "Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. Mateus 10:37"

A vacina que eu gostaria de deixar aqui é, talvez, contra algum mal entendido que possa surgir, principalmente, através da incompreensão do terceiro ponto colocado pelo Isaque:

O capítulo de Filipenses pode aparentar estar incentivando o abandono voluntário de tudo (pais família, casa, emprego, etc - tudo o que, segundo bem exposto pelo Isaque, é tido como perda.
Como o narrador bem explica, devemos estar preparados para perder. Não se trata de sair por aí abandonando tudo a esmo "para ganhar a Cristo".

Nesse momento, é importante se ater ao significado que o próprio Paulo dá, no contexto da carta aos Filipenses: "na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo, E seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé" Filipenses 3:8-9.
Ganhar a Cristo aqui é submeter-se à sua justiça, não por obras (inclusive de abnegação). Não por obras da Lei, nem por obras da carne.
Aliás, esse é exatamente o termo que inicia esse discurso de Paulo: "Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne." Filipenses 3:3

Talvez o sacrifício de Isaque (não o autor do cronicast) seja o melhor exemplo disso. Isaque era o filho da promessa, dado por Deus a Abraão, mas este não deixou de oferecer esse Filho em sacrifício a Deus (perder) pois tinha fé e sabia que, de qualquer modo, Deus faria o que era melhor.
Outra pessoa que esteve diante de um altar de sacrifício diante de Deus com sua descendência foi Jefté. Pra quem não conhece a história sórdida, está em Juízes 11: 31-40. Resumo: o cara matou a própria filha.

Não estamos aqui falando de penitência. nem de salvação pelo sofrimento.

Meu único ponto de discordância com o Podcaster, a quem admiro muito, é o texto que apresenta o podcast:
"É lógico afirmar biblicamente que quanto mais nós nos empenhamos em ser o sal da terra e a luz do mundo, buscando alcançar os inalcançados deste mundo, lutando contra as forças da escuridão, se desvencilhando das correntes do pecado e da escravidão, mais nós sofreremos. E é por isso que devemos estar preparados e evitar ficar buscando na Bíblia versos que deem suporte ao nosso comportamento egoísta e mimado."

Ao estabelecer uma relação "quanto mais nos empenhamos [...], mais sofreremos" , o autor cria, propositadamente ou não, um termômetro do empenho em ser o sal da terra, e isso implica, em última instância, numa teologia da automutilação. Kazoh Kitamori, em sua "Teologia da dor de Deus" afirma que:

"O mais efetivo método para destruir os pecados é constantemente repousar o sofrimento de Deus sobre nós mesmos. O sofrimento de Deus é arraigado em Seu amor e produz poder para santificação. O amor de Deus produz a santificação ética em harmonia com a ordem do Espírito Santo" e "O sofrimento do homem também simboliza o sofrimento de Deus, por isso, a ponte de ligação entre Deus e o homem é o sofrimento."

Há um possível equívoco aqui: encontrar Deus em meio ao sofrimento é diferente de buscar o sofrimento para encontrar a Deus. As declarações de Kitamori (este blogueiro carece de estudar mais esse autor), parecem indicar a segunda hipótese. Creio não ser esta a intenção do autor do cronicast.

Outro ponto complicado se encontra na banalização do sofrimento presente nessa chamada, ao considerar o sofredor "mimado" e na sugestão de "não ficar buscando na Bíblia versos que deem suporte [...]"
Ora, podemos, então, dizer que o apresentador buscou na Bíblia versos que dessem suporte à sua visão de mundo? E se o ouvinte esbarrar num verso que contrarie sua visão sobre o assunto, deve ignorá-la?

Concepções sobre o sofrimento são muito importantes. Talvez não consideremos isso na abundância, talvez não tenhamos sofrido algo que realmente nos fizesse estremecer, mas, como relatou o narrador do cronicast, ter uma concepção errada sobre isso pode nos fazer abandonar a fé no momento da angústia, mas é importante entender também que Deus se demonstra no momento da bonança.

Em seu livro "Estações da vida", o pastor e Ph.D. Kleber O. Gonçalves identifica as diferentes conjunturas pelas quais passamos com estações do ano, sendo o inverno o sofrimento intenso e o verão a situação de fartura, deixando claro que, seja qual for sua estação, Deus quer estar ao seu lado.
Essa é a mensagem do vídeo abaixo, seja através da gratidão pelas bênçãos, ou através da certeza da proteção divina, seja na riqueza ou na pobreza, na vida ou na morte. Pois: "Se vivemos, vivemos para o Senhor; e, se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor. Romanos 14:8". 


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