terça-feira, 25 de novembro de 2014

O Problema do Sofrimento - Parte II



A questão do sofrimento é uma dos pontos centrais em todas as religiões. É o sofrimento que dá a ideia de evolução para o espiritismo e de Karma para as religiões orientais. É o sofrimento da nação de Israel que evidencia sua culpa diante de Deus e motiva judeus a chorarem no Muro das Lamentações.

No cristianismo, ótica pela qual analisaremos o sofrimento, há dois ótimos livros do autor C. S. Lewis sobre o tema: "O problema do sofrimento" e "Anatomia de uma dor", extremamente recomendados.

Eu, porém, como leigo, me atrevi a escrever essa série após a provocação dos Pastores Diego e Júnior, do Biblecast, e do Isaque, do Cristãos Cansados. Na primeira parte levantei os principais pontos colocados pelos pastores em seu programa, que passo a analisar a seguir:

Primeiro Ponto: reconhecer (aceitar) o sofrimento:
"No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, Eu venci o mundo" (João 16:33).

Enquanto a teologia da prosperidade repudia o sofrimento, há um perigo evidente no outro extremo, o de que é o sofrimento o nosso caminho para os céus. Aos 27 minutos os oradores do Biblecast dizem que é necessário aceitar, para o bem, inclusive, do cristianismo, que, às vezes, o pior vai acontecer.

Tal posição é corretíssima e a Bíblia está repleta de exemplos disso. as mortes de João Batista, Estêvão e Tiago, nos mostram essa realidade. É importante deixar claro que a aceitação do sofrimento é uma necessidade para os que pretendem seguir a Deus. Com razão, os pastores afirmam diversas vezes que querer que todas as nossas ações tenham resultados aparentemente benéficos é um erro.

Para que possamos reconhecer e aceitar o sofrimento, precisamos entender a razão da existência de todo o mal. dor e sofrimento.

C.S. Lewis trata disso de maneira extensa em o Problema do sofrimento. O mal é causado pelas nossas escolhas, pelo nosso livre-arbítrio. "Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Gálatas 6:7". Nossas ações tem consequências, e não há como escapar delas. Num segundo nível, as ações dos outros tem consequências sobre nós - o que é alheio à nossa vontade, mas, uma vez que Deus permite a liberdade de todos os seres, não vai impedir que alguém, deliberadamente ou não, nos faça mal. é a regra dEle. Um terceiro nível tem a ver com o Grande Conflito em que nos metemos. Sofremos porque o mundo inteiro sofre. "Ai dos que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo. Apocalipse 12:12."

Por outro lado, Deus não se furta de intervir na realidade, se assim fosse, admitiríamos o Deísmo - Deus fez o relógio (mundo), deu corda nele e se mandou, como quem dissesse: Volto mais tarde, Não Perturbe!

Os pastores admitem a ação de Deus neste mundo durante todo o programa, citando respostas a orações e outras intervenções divinas. As palavras de ouro aqui são os advérbios de intensidade, mas vamos à isso no terceiro ponto.

O problema aqui está com a ideia de que Deus não responde.

Embora as coisas realmente possam piorar, Deus está sempre a nos responder. Há dois casos emblemáticos sobre o silêncio de Deus ante ao desespero humano. O de Saul é o mais clássico. Em I Samuel 28 ele busca revelação divina para uma batalha,"E perguntou Saul ao Senhor, porém o Senhor não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas. 1 Samuel 28:6".

A Angústia de Saul e o silêncio de Deus são descritos da seguinte forma pela escritora Ellen White:

"Poderia ele esperar ser atendido por Deus, quando interrompera os condutos de comunicação que o Céu determinara? Afastara pelo seu pecado o Espírito da graça, e poderia ser atendido por sonhos e revelações do Senhor? Saul não se voltou a Deus com humildade e arrependimento. Não era o perdão do pecado e a reconciliação com Deus, o que ele buscava, mas o livramento de seus adversários. Pela sua obstinação e rebelião, separara-se de Deus. Não poderia voltar a não ser por meio do arrependimento e contrição; mas o orgulhoso rei, em sua angústia e desespero, resolveu buscar auxílio de outra fonte."
Tal colocação faz todo sentido à luz da promessa de Deus de que "E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração. Jeremias 29:13". Uma vez que é o desespero, sem arrependimento, que movia o coração de Saul, Deus não lhe falou. Ou seja, pelo exemplo de Saul, se Deus não lhe responde, você o está buscando pelo motivo errado ou da maneira errada!

É importante ressaltar aqui que com "responder" não estou dizendo "atender". E quando digo "responder", não estou dizendo "responder agora", Deus responde "no tempo oportuno".

Ao contrário do que pode parecer após ouvir o Biblecast, Deus nos incentiva a buscá-lo no momento de angústia: Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno. Hebreus 4:16.
O outro exemplo do silêncio divino é o de Jesus, citado no Biblecast. O problema é que, no momento mais sombrio antes da cruz, quando Jesus pede para que Deus faça passar dEle o cálice da ira, há a presença de nada menos que Moisés e Elias! E no momento em que Jesus exclama pelo abandono do Pai, assim descreve E.G. White:

"Ele, que fora Um com Deus, sentiu na alma a terrível separação que o pecado causa entre Deus e o homem. Foi o que Lhe arrancou dos lábios o brado de angústia: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?"

Ora, tal circunstância está em perfeita consonância com Isaías 59:2 , 2 Coríntios 5:21 e 2 Coríntios 5:19, ou seja, Jesus, por carregar os pecados de todos (ou, se tornar pecado, como diz Paulo) experimentou a completa separação de Deus, não podendo sentí-lo em sua morte.

Eu e você não precisamos carregar sequer os nossos pecados. Nada pode separar-nos de Deus, ou melhor, nada deixa Deus inacessível, ou então, como diz Paulo: Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. Romanos 8:38-39.

Segundo Ponto: Deus não anestesia a realidade (alivia o sofrimento):
"Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; Que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus. Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é abundante a nossa consolação por meio de Cristo. 2 Coríntios 1:3-5"

Obviamente que Deus não anestesia nossas dores, porque as sentimos, mas o que o texto acima nos informa é que há consolo para nossos males. a palavra grega para isso é Paraklesis, traduzido como "conforto" na versão inglesa da bíblia. Ora, consolo, conforto, alívio querem dizer exatamente o que querem dizer: diminuição do sofrimento. Embora, no salmo 88, não vemos nenhum conforto ou consolo ao sofredor, Paulo deixa claro aos coríntios que Deus "nos consola em toda a nossa tribulação". Só para constar, Jesus, no evangelho de João, 14:16, diz: "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre." O Consolador, nesse caso, é o Parakletos, o Espírito Santo que atua para nossa Paraklesis.

Embora a Bíblia nos diga que vamos passar pelo sofrimento, a mesma Bíblia diz que Deus intervém o que nos leva ao:

Terceiro Ponto: Toda vez que Deus interfere na realidade a nosso favor, Ele está dando um bônus, não é a realidade.
O jogador de futebol Fabrice Muamba ficou morto por 78 minutos após uma parada cardíaca durante uma partida pelo campeonato inglês. Algumas especulações foram levantadas e você pode conferí-las aqui, porém a extrema raridade e a falta de explicações convincentes para o ocorrido podem, muito bem, colocar esse fato na categoria de "milagres".

Compreendo a posição e a intenção dos pastores ao informar que os Milagres são incomuns, muito de vez em quando, e isso tem a ver com a compreensão equivocada, ou uso inadequado, da concepção de "milagre".

Antes, os pastores lançam uma dicotomia entre Milagre versus Realidade, talvez remetendo-se ao binômio: sobrenatural versus natural.

A primeira assertiva, a de que Deus, ao agir a nosso favor, está nos dando um bônus, se sustenta porque o Pai não nos deve nada. Não é Obrigação divina nos dar nada, ao contrário não haveria Graça e a relação de senhorio seria invertida, sendo nós que comandamos a Deus!

É verdade que a "confissão positiva" ou teologia da prosperidade leva muitos cristãos a "determinarem" coisas, achando que Deus tem o dever de seguir-lhes as ordens. Nada mais insano!!!

Deus realmente dá bônus, no sentido de que um bônus é um favor imerecido.

O problema aqui, mais uma vez, é com a intensidade e o reforço dos condutores do biblecast de que a intervenção divina é coisa rara.

Se toda intervenção divina pode ser chamada de milagre, então milagres estão ao nosso redor o tempo todo. Jesus nos diz que Deus alimenta as aves do céu e veste os lírios do campo, para dizer que o mesmo Pai nos dará o que necessitamos. Se negarmos que o que temos vem das mãos de Deus praticamos a ingratidão, admitimos que é o nosso esforço que nos mantém. Jogamos por terra toda a doutrina sobre fidelidade e desmentimos a Bíblia que diz que "Tudo vem de ti, e nós apenas te demos o que vem das tuas mãos." 1 Crônicas 29:14 NVI.

Mesmo milagres como o que salvou a vida de Muamba, que esteve morto, são comuns hoje em dia. Vá a um culto de oração e você verá.

A ênfase de que as ações de Deus são raras não se harmonizam com a imagem de um Deus que "faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos." Como dissemos antes, Deus não é o relojoeiro ausente e intervém a todo momento. Nossa prórpia existência já é um milagre.

Compreendemos que, muitas vezes, a ação de Deus a nosso favor não é aquela que nós queremos. Algumas vezes a ação de Deus a nosso favor ocorre como algo que não nos agrada e que gera sofrimento, e isso leva ao quarto ponto:

Deus conhece todas as coisas.
Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Romanos 8:28
Como não vemos o plano todo, não sabemos as complexas redes de eventos que se desencadeiam e o efeito desses eventos sobre nós e sobre os outros. Isto é dizer que, às vezes, coisas ruins são permitidas para o nosso bem.

Ora, nunca é para o nosso bem estar separados de Deus, A Palavra de Deus nos ensina a ser cada dia mais dependentes. A afirmação dos pastores de que "Às vezes você vai pedir e Deus não vai te responder, e você vai se sentir como quem chora e a mãe não vê: Aprendeu?" não corresponde à verdade extraída das escrituras.

Jesus nos ensina a pedir e buscar sem cessar, tendo esperança de receber: "Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e a quem bate, abrir-se-lhe-á. Mateus 7:7-8"; "Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora seja demorado em defendê-los? Lucas 18:7".

Obviamente que nem sempre o que julgamos bom é bom de acordo com a visão de Deus, mas a Bíblia não nos diz que Deus não irá responder "pois o que busca, encontra". Voltamos ao ponto 1.

Na parte 3 finalizo minhas considerações acerca do Biblecast. Até lá!

2 comentários:

  1. Nunca dissemos que Deus não responde. Apenas que, AS VEZES, PARECE, que Ele não responde. Mas sempre haverá resposta, até porque nós dissemos que Ele está ai, do seu lado nesse sofrimento. Mas tanto o salmista, quanto Cristo, não PERCEBERAM isso no meio do seu crisol.

    Deus realmente não anestesia a realidade como a desejamos. Ele provê sim alento, mas não o que estamos esperando. Se aguardasse o próximo BC entenderia melhor essa parte QUE NÃO FOI TRATADA (o outro lado da moeda).

    Chamar tudo de milagre, contrária o próprio citado C.S. Lewis, em sua obra, Milagres. Milagres para nós são atos extraordinários, no sentido completo da palavra, e não a semântica atual: Ação do divino. Isso, obviamente, não é o que tratamos como milagre. Afinal, nós reconhecemos a ação divina em nos dar vida, uma coisa tomada por simples, por exemplo.
    Outra coisa é que essa teologia do milagre comum, contrária as palavras do próprio Jesus que afirma para que serve um milagre: “Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus”. João 9:3. Milagres existem com propósito definido, e não para alento humano apenas. Ou Jesus teria curado a todos do Seu tempo! Todos os milagres bíblicos tem motivo específico: Desde o parar das chuvas no tempo de Elias aos muros de Jericó.

    De jeito nenhum afirmamos que Deus é um “relojoeiro ausente” ou qualquer coisa que o valha. Essa foi a sua interpretação e ignorou todas as outras coisas ditas em todos os outros programas. Não compactuamos com o pensamento deísta e estamos bem atento a ele. Tente harmonizar tudo o que dissemos sem recorrer a esse caminho do deísmo e entenderá o sentido.

    E obviamente, não afirmamos em nenhum momento de nossa história que Deus não deve ser buscado, e devemos nos sentir abandonados. Acredito que o ouvinte que aqui retrata sua compreensão ouviu de mal jeito o que tentamos informar. Infelizmente, contamos que as pessoas consigam entender as coisas que dizemos dentro do contexto do que somos. A tanto tempo estamos ai, expondo nossas crenças. No entanto, parece que nesse episódio deixamos alguma brecha para interpretações dúbias, porque o que vemos aqui sendo refutado, não é nem de perto o que cremos.

    Outra coisa é que quando se faz teologia é preciso, além de se mostrar outros textos com possíveis interpretações diferentes. Que se lide com os que já foram apresentados. Nesse caso, não aconteceu. Vc apenas apresentou a sua tese, refutando a antitese com argumentos apenas, sem por no devido lugar os textos que apresentamos. Nesse caso, não cabe concluir nada. Além do que nós podemos colocar cada um dos textos que vc apresentou aqui, incluindo os de Ellen White no seu devido contexto com o "Paradigma de Cristo".

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  2. Olá, Pastor! Incompreensões são comuns, ruídos de comunicação. É importante corrigi-los.
    Bom, algumas coisas foram ponderadas por vocês e eu as expus, porém, como levantei pontos baseados no meu entendimento a respeito de seu programa, respondi também à implicação daquele conceito. Assim foi com a questão do Deísmo. Não atribui isso a vocês. Quanto aos outros Biblecast, citei apenas o imediatamente anterior, acho que, assim como uma palavra é o minimo conjunto de letras com sentido completo, também o programa tem um sentido completo a ser depreendido.
    Como citei nos exemplos de Saul e de Jesus, não creio que Deus não se faça demonstrar a quem lhe busca. Ao invés de dizer: aprenda a chorar longe dos olhos da mãe, o programa poderia incentivar a buscar a Deus, dando a certeza da resposta. Mas isso é só minha humilde opinião. Realmente ninguém disse que não era pra buscar a Deus no programa.
    Comentei, na parte IV, sobre o erro de banalizar o sofrimento alheio. O uso de alguns tons jocosos durante o programa (que dó, que dó!) podem ter reforçado algum conceito que, de acordo com esse seu comentário, não era a intenção.
    Busquei citar suas falas para evitar os ruídos, e linkei o programa, que ouvi 4 vezes antes de escrever esse comentário.
    Quanto aos milagres, são vocês quem definem como "ações de Deus a nosso favor". Só expus que há muito mais acoes de Deus a nosso favor do que o explicado no programa.
    Agora, podemos colocar corvos alimentando o profeta Elias na categoria de " milagres"?
    E haveria alguma outra intenção que não cuidar do desanimado profeta?
    Fiz uma contestação ponto a ponto e dei outra interpretação, sim, para o Salmo 88, dizendo que se trata de um salmo profético.
    Realmente, não fui alem disso, mas o farei em breve.
    Sou admirador do seu programa e sei da sua capacidade de colocar meus textos sob "o paradigma de Cristo". Não duvido disso. Até porque não imagino que minhas citações estejam fora do " paradigma de Cristo".
    Quanto às citações de Ellen White, elas foram feitas dentro de seus contextos, apresentados, inclusive, neste texto. Igualmente o fiz com os textos bíblicos.
    Muito obrigado pelo seu comentário.

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